"Quero dormir com você ou pelo menos te dar um beijo na boca. O meu amor não tem pudor, nem acanhamento. Não tem paciência, não aguenta mais a urgência do desejo..."
(Bruna Lombardi)

Certo dia, estava eu na Internet, navegando sem leme, ao léu dos ventos e das correntes de minha solidão infinda, em busca de uma palavra poética que desse alento ao meu coração. Tamanha a minha surpresa, deparo-me com a mais pura poesia lúbrica advinda da bela atriz, modelo e
escritora BRUNA LOMBARDI. Demasiadamente embevecido com a intensa carga de loucura, desejo, despudor, chama e paixão contida em seus versos, fico incrédulo ao imaginar como é possível essa mulher linda, talentosa e de incrível sensibilidade ser mais reconhecida e lembrada pelas novelas em que atuou do que pelo seu legado poético.
Bruna lançou 03 livros de poesia, entre 1976 e 1984. São eles: No ritmo desta festa, Gaia e O perigo do dragão, respectivamente. Desses, infelizmente, apenas o último encontra-se em catálogo.
Eis uma mostra de sua obra poética:
A viagem da paixão
Tenho os caprichos inerentes à natureza da mulher
abro a caixa de pandora que eu quiser
e lanço mão de todo mal e todo bem
avanço a passos largos
alcanço o ponto extremo e vou além
onde se estende a palpitação das células
e se prolongam feixes de neurônios
onde se nasce, morre e se enlouquece
intima de deuses e demônios.
Onde habitam as feras, os espítiros das florestas
onde se determina a primavera
e se marcam as nossas testas.
Onde se aprende a sabedoria do fogo
e todas as forças de atração
e se descobre o ponto que orienta
esse mapa de navegação.
Estrela solitária, asteróide desgarrado
luz que aponta o caminho
da viagem da paixão.
Jardim das delícias
Procuro em mim um homem sem moral
que me deixe arisca e me deite de costas
mandando coisas.
O oculto da paixão tem mais sabor que
pitanga roubada
e minha alma dissoluta, dissimulada
mistura ao vinho uma idéia de me jogar
em lençóis de linho
ou no mar.
Ah, eu queria saber de cor o nome das estrelas
todas as constelações e tudo
que de mistério carrega o ser humano
a face das pessoas, a inconfessável
a dimensão da atmosfera e o ponto exato
onde tudo se desintegra
Quero conhecer o sentido da vida
a essência do voo e a geografia.
Cio

Quero dormir com você ou pelo menos
te dar um beijo na boca
o meu amor não tem pudor, nem acanhamento
não tem paciência, não aguenta mais
a urgência do desejo
e eu te olho, te olho, te olho
como se dissesse.
Penso, ele há de perceber, me encosto um pouco
espero um gesto, um sinal, uma atitude
que eu possa interpretar como resposta
uma indicação
mas você é um homem sério e continua
se escondendo atrás dessas teorias
e nem te brilha no olho uma faísca de tentação.
ai, que aflição
pensar no que eu faria
se pudesse
desejo que não acontece
fica parado no peito
ai, vira obsessão.
Baixo ventre
eu não aguentava mais de amor por você
tava ardendo de vontade de você
você há de me querer
há de tentar, se atrever
mesmo se for um delito, se for errado
maldito, amaldiçoado
mesmo que o céu nos castigue
com um eterno eclipse
e venha o caos, satã, o fim de tudo
e a gente seja culpado
porque não soube resistir à tentação
eu não quero me livrar desse pecado
e me salvo através dessa paixão.
Alta tensão
eu gosto dos venenos mais lentos

dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo
passar
eu sonho
os delírios mais soltos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode me empurrar pro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
Sinistro
Inclua no seu amor um pouco de desespero
derrame seu potencial de drama nos tapetes
ponha sal nas frutas ácidas
tente um pouco de champagne no sapato
esparrame de preguiça pelos linhos
no espalhafatoso desleixo dos lençóis
use olhos cristalizados, cintilantes
com faíscas no meio das plumagens
aprenda a cantar e a cabriolar um pouco
a dança elástica de uma enguia
se esfregue nas nervuras, descubra trunfos
muito escorregadia

Saiba o zodíaco chinês e as manchas do demônio
conhecedora de alquimias
deguste seus horrores em rituais estranhos
Seja uma ameaça
Dê telefonemas interurbanos em meio à noite
a Angkor, Himalaia, Terra do Fogo
Estilhace as regras desse jogo
que um pouco de maldade é necessária
Libidinosa sempre entre parênteses
esguiche todo esse seu som de dentro
ensopada de paixão e de água fria
leviana até a última mordida
Esquiva como uma taturana
penetrando no gargalo da garrafa
estenda suas estrias até o limite da suspeita
pois não há nada como um crime atrás do outro.