segunda-feira, 8 de junho de 2009

Jorge Vercillo, inspiradíssimo, confirma a magnitude de seu carisma em show excepcional no Recife.

Os ares de junho trouxeram um presente aos recifenses amantes da boa música: Guilherme Arantes e Jorge Vercillo no Chevrolet Hall. O primeiro, monstro sagrado da música brasileira, autor de clássicos que fizeram história em trilhas sonoras de novelas nas décadas de 70 e 80. O segundo, o mais notável talento da nova geração, surgido nos anos 90, e que vê na década atual a sua consagração, fruto de seu gênio criativo e incontestável lirismo, capaz de trazer um novo ânimo à MPB, entoando canções que falam com alto grau de beleza artística e perfeição estética sobre o mais elevado e sublime dos sentimentos: o amor.

Desde o lançamento de seu último CD de estúdio, “Todos nós somos um” (2007), Jorge Vercillo vem colecionando elogios não apenas do público, que sempre lotou seus shows desde os primeiros discos, mas também da crítica, que passou a ver seu trabalho com mais receptividade e o dissociou finalmente da imagem do Djavan, que o perseguia desde o início da carreira, com comparações constantes e, muitas vezes, descabidas. Pode-se afirmar que Vercillo, de uns tempos para cá, tem vivido o auge de sua produção: modificou a sonoridade; trocou de banda; musicou texto inédito de Maysa; teve música em trilha de novela; participou de projetos especiais, como o “Coisa de Jorge”; diversificou parcerias com artistas do cacife de Fátima Guedes, Dudu Falcão, Marcos Valle, Nico Rezende, Isabella Taviani, Ana Carolina etc, e teve composições gravadas por Maria Bethânia, Leila Pinheiro, Pedro Mariano e Luiza Possi, dentre outros.

O referido disco de Jorge Vercillo rendeu bons frutos, como o CD/DVD ao vivo, “Trem da minha vida”, gravado no Canecão no início de novembro de 2008. O novo DVD reforça a densidade das canções do álbum “Todos nós somos um” e mostra a emoção que o CD de estúdio não consegue ressaltar em sua plenitude. Embora bem intencionado, o novo trabalho ao vivo sofreu algumas críticas por conter repetições de seu DVD anterior, datado de 2006, e também pelo fato de Vercillo ter deixado de fora da gravação algumas importantes canções como “Luar de sol”, uma das mais pedidas dos fãs, “Cartilha”, grande parceria com Fátima Guedes, e “Numa corrente de verão”, feita em duo com Marcos Valle. No entanto, só quem vai a um show de Jorge é capaz de sentir a força das canções e constatar a magnitude do carisma que ele tem com os fãs. É uma espécie de atração de ímã, que faz com que as pessoas não desgrudem os olhos do palco. Ele, com um jeito simples e, muitas vezes, requieto, consegue mesmo assim deixar o público em suas mãos.

Jorge Vercillo e Guilherme Arantes cantando "Planeta Água"


Jorge veio fazer seu enésimo show em Recife no último dia 06/06 para lançar justamente o novo DVD, que contém apenas uma música inédita, a faixa-título, “Trem da minha vida”, um reggae feito em homenagem à mãe dele. O show começou pouco tempo depois da apresentação solo de Guilherme Arantes, na qual Vercillo fez uma grata surpresa e cantou o hit “Planeta Água” com o cantor, no bis, em número ovacionado por uma platéia histérica. Como sempre, Jorge abriu o espetáculo com “Melhor lugar”, seguida pela autobiográfica “Tudo que eu tenho”. Logo depois, Jorge fez os cumprimentos e iniciou cantando, com sua voz de veludo, os versos “Eu tô pensando em tu que só/ É chão que chega a dar um nó/ Um homem para se envolver/ Difícil como o bicho se render”, brindando o público com sua doce canção “Luar de sol”, de sabor regional e com direito ao arranjo original completo. Rara beleza! Seguiram-se outros sucessos como “Signo de ar”, “Leve”, “Homem-Aranha” e a tão aguardada “Devaneio”, momento pungente do show. A grande surpresa do repertório foi a inserção da lúbrica “Cartilha”, canção que abre o CD “Todos nós somos um”, e que inexplicavelmente ficou de fora da turnê e do DVD ao vivo. Jorge teceu, com humor, algumas considerações sobre a letra dessa música:

“Vocês conhecem a Fátima Guedes? Pois é, a Fátima é uma libertina, no bom sentido. Quando nós estávamos fazendo essa música, ela, com aquela voz de professorinha de inglês, perguntou (Jorge imita a voz de Fátima e arranca risos do público):

- Jorge, você gostou da cartilha de amores hindus?
- Claro, Fátima, as imagens contidas na letra são muito bonitas! Gostei muito!
- Mas, Jorge, você sabe o que é a cartilha de amores hindus?
- Sim, são imagens que você usou na letra e...
- Não, Jorge! A cartilha de amores hindus é o kama-sutra!
Depois de ouvir isso, aí foi que fiquei gostando mais da música. Mas então ela continuou:
- Jorge, e aquela parte da letra que fala dos lábios azuis?
- Sim, achei muito bonita. É pra combinar com aquela parte que fala em pedaço do céu... Ficou legal falar em azul, essas imagens, coisa e tal...
- Jorge, você não sabe o que são os lábios azuis? São os lábios genitais femininos!
(O público adorou!)

Depois disso eu passei a gostar mais ainda dessa música!”, afirmou o cantor.

Logo depois, Jorge cantou a ótima canção “Toda espera”, e afirmou “Vocês pediram essa música, ela não ia entrar no DVD, mas por causa de vocês, ela acabou se tornando uma das mais importantes”. Após cantar canções como “Vôo cego”, “Trem da minha vida”, “São Jorges” e “Ela une todas as coisas”, Vercillo abriu espaço para pedidos: voltou ao passado e entoou a bela canção “Praia nua”, da forma como ela foi originalmente concebida, com voz e violão. Ele cantou alguns trechos da letra em espanhol. Em seguida, depois de pedidos incessantes das pessoas, Jorge cantou “Avesso”, música constante nos seus shows em Recife desde a época da turnê “Leve” (2000-2001) e que nunca saiu do repertório, devido a toda história que se criou em torno dela, por causa da letra de teor homoafetivo. Sobre “Avesso” e também “Final Feliz” (que alguns afirmam ser a extensão da primeira), o jornalista e pesquisador musical Rodrigo Faour afirma em seu livro “História sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira”, Ed. Record, 2006, pág. 425-426:

Encerrando o velho milênio, um dos poucos artistas da MPB jovem a se firmar como cantor e compositor, Jorge Vercilo emplacou no CD “Leve” duas canções de apelo homoerótico. A primeira – ao que parece – foi sem querer. Trata-se do mega-sucesso Final feliz ­– gravada em duo com seu ídolo Djavan –, que dizia “Chega de fingir, eu não tenho nada a esconder (...) Pode me abraçar sem medo/ Pode encostar sua mão na minha, e a segunda, bem mais contundente, Avesso. “Fiz Final feliz falando de duas pessoas com medo de assumir um sentimento. Tenho amigos homossexuais que realmente já tinham feito a associação, mas a letra não foi com essa intenção”, explicava Vercilo. “Mas nesse mesmo disco tem Avesso, que realmente fala do amor gay, em homenagem a um produtor meu, Ricardo Camilo, que já faleceu. “Por acaso, Avesso fez sucesso no Nordeste antes de Final feliz, e alguns amigos pensaram até que fosse uma continuação”, continua.

Avesso começava na velha cena de bar gay, presente em várias outras músicas do gênero: “Num insuspeitável bar, pra decência não nos ver/ Perigoso é me amar, doloroso querer/ Somos homens pra saber o que é melhor pra nós/ O desejo a nos punir só porque somos iguais”. Em seguida, vinha o panfleto no melhor estilo “Anos 70”: “A Idade Média é aqui/ Mesmo que me arranquem o sexo, minha honra, meu prazer/ Te amar eu ousaria/ E você, o que fará se esse orgulho nos perder?”. Era a hora do desabafo: “O que eu sinto, meu Deus, é tão forte!/ Até pode matar/ O teu pai já me jurou de morte por eu te desviar/ Se os boatos criarem raízes, ousarias me olhar, ousarias me ver?/ Dois meninos num vagão e o mistério do prazer/ Perigoso é te amar, obscuro querer/ Somos grandes pra entender, mas pequenos pra opinar/ Se eles vão nos receber, é mais fácil condenar ou noivados pra fingir?”. Que forte, Jorge!

Após atender os pedidos, Jorge cantou “Encontro das águas” e depois “Fênix”, número que se repete desde a turnê “Elo”, de 2002. Foi a hora de “Camafeu guerreiro”, com direito a roda de capoeira, encenação e tudo mais. Seguiram outros hits radiofônicos, como “Monalisa” e “Que nem maré”. No bis do show, veio a surpresa, quando Jorge voltou e, ao violão, entoou “Himalaia”, de seu ótimo, mas quase esquecido disco “Em tudo que é belo”(1996). O cantor terminou a longa e esfuziante apresentação com “Líder dos Templários” e “Vela de acender, vela de navegar”.

Após o show, já quase às três da manhã e Jorge era só simpatia no camarim. Eu disse a ele:

- Rapaz, você estava incansável hoje! Duas horas e vinte de show! Que maravilha!
- Pois é, Freddy, as pessoas não queriam me deixar ir embora hoje! (Risos). Muitos pedidos! Pediram “Himalaia” no final. É cansativo, porém gratificante. Mas não é sempre que eu agüento esse tempo todo.
- Muito bom você ter inserido “Cartilha” pela primeira vez aqui em Recife, e fazê-la com banda, arranjo completo etc.
- É, as pessoas me cobram muito as músicas que ficaram de fora do DVD. “Luar de sol”, por exemplo, é uma delas.

Depois de um abraço no ídolo, despeço-me satisfeito e no estado de graça que só quem tem a música como alimento da alma é capaz de sentir e compreender.

Vida longa e muito sucesso ao nosso Jorge Vercillo!!

Fontes pesquisadas:
Livro:
- FAOUR, Rodrigo. História Sexual da MPB: a evolução do amor e do sexo na canção brasileira. Rio de Janeiro. Record, 2006.
Internet:
Jorge Vercillo - Site oficial:
Blog "Ele une todas as coisas" - Bia Sampaio
Créditos das fotos do show: Wanessa Rafaela (Recife-PE).

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Rede Globo causa grande mal-estar ao cortar exibição de cantoras no especial em homenagem a Roberto Carlos

O especial Elas cantam Roberto Carlos, exibido pela Rede Globo no último domingo, 31/05, das 23h05 às 00h25, foi extremanente indelicado ao cortar 6 das 20 cantoras que se apresentaram no Theatro Municipal de São Paulo. Ficaram de fora Adriana Calcanhotto, Marina Lima, Paula Toller, Celine Imbert, Rosemary e Mart'nália. Essas apenas apareceram na música final, quando todas as cantoras dividiram a mesma música com Roberto. E o fato de a emissora ter exibido 2 números musicais de Ivete Sangalo só aumentou o mal-estar, pois reforçou a falta de respeito com as outras que tiveram suas performances cortadas. Não se sabe qual foi o critério utilizado pela emissora para tamanha falta de respeito às artistas. Outro ponto a ser questionar é o porquê de exibir os especiais musicais quase de madrugada. Em 2008, a série de programas Som Brasil ia ao ar quase a 1 da manhã. Ibope? Será que um especial em homenagem ao cantor mais popular do Brasil não daria uma boa audiência, exibido na íntegra e num horário mais acessível a todos, principalmente aos que tem o compromisso de acordar cedo para trabalhar no dia seguinte? Ao horário nobre é reservada toda a programação de gosto duvidoso, mas o que realmente interessa aos telespectadores que primam pela qualidade está reservado praticamente à madrugada: os especiais musicais, o Programa do Jô, o Altas Horas, de Serginho Groisman etc.

O fato é que a guerra das emissoras pela audiência nos últimos anos tem tornado a programação da TV aberta cada vez mais inculta e desprovida de refinamento. Se o que interessa hoje em dia é apenas Ibope, é melhor abolir de vez os especiais e deixar o Faustão o dia inteiro ou botar mais novelas além das cinco que já são exibidas diariamente. A impressão que se tem é que a Globo destina apenas as sobras de horário aos especiais musicais. Se música na TV aberta não alavanca mais a audiência, é melhor que fique reservada aos DVDs. O que não se pode permitir sem questionar é esse tipo de indelicadeza que a Globo cometeu com as cantoras ao cortá-las do especial.