sábado, 27 de outubro de 2007

Entrevista

Nila Araújo, nascida em 1978 em Campina Grande, na Paraíba, não queimou sutiã ou mesmo saiu às ruas erguendo bandeirolas de nenhum movimento reivindicatório. Em 1999, ela jogou para o alto tudo que fazia e decidiu apostar num sonho. Oito anos depois da façanha, começa a colher as notas plantadas de um trabalho antes dominado pelos homens, especialmente no Nordeste. Como um fruto 'de vez', mas devorado na Paraíba, a agora DJ Hunter (referência à cantora Björk e a postura adotada por ela na hora de caçar o melhor som) não esconde o desejo de devorar as discotecas do Rio Grande do Norte, onde têm forte relação com a paisagem da capital.

Williams Vicente - Como foi que você chegou até a música?
DJ Hunter - Freqüentando a noite, as baladas, me identifiquei com a música eletrônica. Passei a ser baladeira e daí por diante tomei gosto por tentar fazer aquilo que eu achava que faltava nos dominadores das pistas. Mas antes eu já curtia os primórdios, como Depeche Mode, Information Society, Erasure, kraftwerk... então antes de me tornar baladeira, já curtia os primeiros sons eletrônicos. Sempre prestei atenção no que faltava devido a cultura da cidade (Campina Grande) estar muito ligada ao rock e a música alternativa. Digamos que a música eletrônica no seu boom (DJ's) chegou fazendo parte dessa cultura trazida primeiramente pelo gueto GLS, posteriormente aderida por outros guetos e atualmente por todos os grupos sociais na cidade.

WV - O que você fazia antes disso?
DH- Trabalhava em locadoras de vídeo, pois também sou cinéfila, ou seja, procuro fazer o que gosto (risos).

WV- Então quer dizer que o universo GLS é uma fonte inesgotável de lançamentos de tendências?
DH- Sem dúvidas, pois eles têm toda uma cultura envolvida com a música eletrônica. Quando você fala em boate, ou vai a uma cidade que tem boate, ou você encontra uma boate GLS ou muitos deles nas baladas. Porém, eles têm seu próprio estilo e conhecem aquilo que gostam e que consomem. Cultura no nosso meio é fundamental, você tem que saber o que está consumindo, como curtir, e saber sobre MPB, bossa nova, o mesmo se dá na musica eletrônica.

WV - Isso quer dizer que o universo GLS é mais antenado e tem gosto melhor pela música?
DH - Não, isso não quer dizer que eles tenham gosto melhor, absolutamente. Apenas que sabem sobre aquilo que estão ouvindo, diferentemente da cultura de massa que não identifica os estilos, as vertentes. Mas também acontece o preconceito, pois, tanto eles não aceitam dentro do gueto outros estilos que não sejam o deles, como também se você tocar a vertente deles em outro ambiente, logo irão identificar que se trata de uma música mais 'alegre' (risos).

WV - Por que há essa separação, a música eletrônica não é essencialmente de massa?
DH - Falei demais? (risos). Não, ela se encontra na massa, mas os estilos, as vertentes tendem a separar os grupos sociais, como vemos nos grupos que consomem outros estilos, como exemplo: quem curte pagode tá lá na mesa de bar ouvindo, quem curte MPB tá no barzinho, rock tá no show, e na música eletrônica, mesmo que você tenha um DJ em qualquer desses lugares, ele tem que se adaptar ao público. Por exemplo: se o Dj vai tocar pra um grupo que consome o padoge, ele tem que agradá-lo chegando o mais próximo possível da realidade deles, tocando funk por exemplo. Se for tocar pra galera roqueira, tem que tocar batida quebrada, com big beat, breakbeat, drum n'bass, hip hop.

WV - Mas, qual é seu estilo?
DH - Breakbeat e big beat, mas às vezes sou chamada pra tocar em boites, aí faço o diferencial, atualmente com electro.OM - E isso não te incomoda? Ter que tocar de tudo e não apenas a vertente que você escolheu trabalhar?DH - Mas eu não toco de tudo, apenas comentei sobre como a música eletrônica chega aos diversos grupos. Eu apenas trabalho dois tipos de grupos, o GLBTS e o alternativo. Portanto, toco o que gosto. Tenho mais afinidade com a batida quebrada, com a qual posso criar e me dar a possibilidade de interagir melhor tocando ao vivo.

WV - Então, um Dj não é mero executor de música...
DH - Jamais ele pode ser. A ponto de levar a música eletrônica de alguma forma pra quem não tem acesso até está valendo, mas para aqueles que já fazem parte dessa cultura a coisa muda de configuração. Hoje em dia o DJ tem que produzir suas próprias músicas e não apenas executar músicas de outros produtores. Por isso, depende da cultura. DJ chegar numa cidade pequena fazendo scratch, neguinho não vai entender nada.

WV - Você deve ter encontrado muitas dificuldades para vencer nessa área, não? Por ser mulher talvez?
DH - Sim, no início. Mas hoje em dia isso é até motivo de valorização por não ser muito comum. No princípio passei alguns preconceitos e dificuldades. Os Dj's não se conformavam de participar de uma festa comigo e no final das contas eu ter sido a melhor da noite, por exemplo. Como pode, uma mulher? Voltando um pouco atrás, vejo essa divisão como arte ou entretenimento.

WV- Discotecagem é arte?
DH - O Dj que executa é entretenimento, o que se preocupa em fazer o diferencial é arte, depende. Porque ser Dj é discotecar.

WV - Dj dos anos 90 pra cá, quando a música eletrônica chegou às massas, virou moda, passou a ser cultuado como ídolo. Você se importa com o espaço que a profissão ganhou graças ao modismo, ao empurrão que a mídia deu? Vejamos: The Chemical Brothers, Moby, Fatboy, sem esses precursores da cultura pop o Dj não seria requisitado como o é hoje.
DH - Claro que não me importo até porque esses são profissionais mesmo, produzem cada um na sua configuração, não são Dj's que tocam apenas set´s mixados de outros produtores. Claro que não desvalorizo, pois é necessário que hajam os tocadores de set, mas o cara não pode parar por aí. Os Dj's devem ter como referência esses precursores pra compreender melhor o universo e ter a ambição de crescer e produzir, pra acabar com esse mito de que Dj não é músico.

WV - Isso quer dizer que você é uma artista?
DH - Me considero, pois além de produzir, procuro inovar quando estou tocando, interagindo com a música, construindo efeitos, não apenas executando. Também interajo com músicos, o que me traz o diferencial.

WV - São Jam's com bandas?
DH - Faço sim, já toquei com Chico Correia, Baixinho do Pandeiro, Etnia Sound, são músicos pernambucanos e paraibanos.

WV - E o RN? Eu sei que você costuma trabalhar por Natal, o que rola por lá?
DH - Cultura norte-americana. O que os EUA estiverem consumindo chega por lá. No caso, ainda atualmente a vertente mais forte por lá é o electro. A diversidade é interessante, mas ainda deixa a desejar no sentido produção musical e live P.A (entenda-se fazer discotecagem ao vivo).

WV - Mas baseada em que você diz isso? Você conhece a cena rave de lá?
DH - Em Natal, participo mais das festas dadas em boites. O único ambiente livre que toquei foi no MADA, mas a raves não, pois de uns dois anos pra cá o Psy Trance roubou esta cena, o que deixa os DJ's por fora. Não considero Dj de Psy um DJ, é um executor.

WV - E Mossoró, já ouviu falar?
DH - Bastante. Já recebi convites pra tocar aí, mas quando soube da distância, cabritei (risos). Como eu estava muito cheia de trabalho, deixei pra próxima. Um de meus alunos já tocou na cidade e me falou que o público é bem divertido, que não esperava pela agitação que foi. Achava que só na capital era assim.

WV - Voce é professora?
DH - Também. Me importo com a educação dos novos profissionais na área.

WV - Você promove cursos de DJ no caso...
DH - O próximo módulo inclusive será em João Pessoa. Quem sabe um dia em Mossoró.

WV - O que é a música eletrônica afinal?
DH - Música feita a partir de equipamentos eletrônicos sem a necessidade de tocá-los como instrumentos, mas de construir música a partir de sons que são construídos em softwares ou processadores de efeitos. Tem tudo, segue-se compasso, ritmo, harmonia, melodia, isso vai depender do profissional que a constrói. Espírito, o espírito do pós-modernismo, todos os ruídos que temos que ouvir hoje em dia pelas máquinas e usinas podem ser transformados em música. Como diz Björk, tudo é música.

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